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Jurisprudência

Lei pode reduzir valor da suplementação da carga horária de professor e pedagogo

Lei pode fixar o valor da suplementação da carga horária de professores e pedagogos em patamares distintos daqueles recebidos pelos beneficiários da suplementação. No entanto, esse valor deve ser superior a, no mínimo, 50% da remuneração devida ao beneficiário pelo seu serviço normal, em atenção ao disposto no artigo 7º, XVI, da Constituição Federal.

O valor da suplementação deve ter como base de cálculo, no mínimo, o valor devido ao beneficiário pelo seu serviço normal. Assim, somente é possível fixar o valor da suplementação da carga horária com base no nível inicial do plano de cargos e salários do magistério caso o servidor beneficiário esteja neste estágio da carreira.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Pinhalão (Norte Pioneiro), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de lei municipal fixar o valor da suplementação da carga horária de professores e pedagogos em patamares distintos daqueles recebidos pelos beneficiários da suplementação.

 

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR entendeu que é possível a fixação, por lei, do valor da suplementação da carga horária de professores e pedagogos em patamares distintos daqueles recebidos pelos beneficiários; inclusive, a lei pode prever a redução do valor a ser recebido, sem que isso implique ofensa ao princípio da irredutibilidade salarial.

O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) entendeu que a fixação do valor da suplementação da carga horária de professores e pedagogos, de forma geral, com base no montante estabelecido no nível inicial do plano de cargos e salários do magistério afronta o princípio da valorização dos profissionais da educação e da dignidade da remuneração.

 

Legislação e jurisprudência

O inciso XVI do artigo 7º da Constituição Federal (CF/88) dispõe que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal.

O artigo 37 da CF/88 estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O inciso X desse artigo expressa que a remuneração dos servidores públicos somente poderá ser fixada ou alterada por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

O inciso XV do artigo 37 do texto constitucional fixa que o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, com ressalvas.

O parágrafo 3º do artigo 39 do texto constitucional fixa que se aplica aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no artigo 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. 

O Acórdão nº 1049/18 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 798116/17) fixa o entendimento de que é inconstitucional a dobra da jornada de professor estabelecida de modo definitivo.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem o entendimento consolidado de que as vantagens pecuniárias de natureza "propter laborem" remuneram o servidor público em caráter precário e transitório; e, por isso, não se incorporam a seus vencimentos nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção na aposentadoria, podendo ser reduzidas ou até mesmo suprimidas sem que seja configurada violação ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos. O STJ entende que isso é aplicável à gratificação por exercício de função especial.

De acordo com o entendimento do STJ, a Constituição Federal distingue vencimentos de remuneração, sendo que, somente o vencimento e as vantagens de caráter permanente compõem os vencimentos e são resguardados pela garantia de irredutibilidade.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) tem jurisprudência no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, notadamente à forma de composição da remuneração de servidores públicos, observada a garantia da irredutibilidade de vencimentos.

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) já decidira que a alteração provisória da carga horária de trabalho no magistério é ato discricionário, inexistindo direito líquido e certo para sua conversão em definitivo.

O TCE-SC reforçou esse entendimento na decisão em que julgou que, havendo interesse público, a administração poderá alterar a carga horária de trabalho. Nessa decisão consta que não se trata de um direito do servidor, mas sim de um ato discricionário do ente público.

A corte de contas catarinense também considera inconstitucional a dobra da jornada, independente do nome dado pela lei local, de modo definitivo, dos professores que foram aprovados em concurso público para determinada carga horária semanal.

O jurista José Afonso da Silva entende que, de fato, só os vencimentos - vencimentos e vantagens fixas - podem ser irredutíveis, o que significa que que nem o padrão e nem os adicionais ou outras vantagens fixas poderão ser reduzidos.

O doutrinador Hely Lopes Meirelles ensina que vantagens pecuniárias são acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço, ou pelo desempenho de funções especiais, ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço. Ele explica que as duas primeiras espécies constituem os adicionais - adicionais de vencimento e adicionais de função - e as duas últimas formam a categoria das gratificações - gratificações de serviço e gratificações pessoais. Todas elas são espécies do gênero retribuição pecuniária, mas se apresentam com características próprias e efeitos peculiares em relação ao beneficiário e à administração.

Meirelles define os adicionais como vantagens pecuniárias que a administração concede aos servidores em razão do tempo de exercício - adicional de tempo de serviço - ou em face da natureza peculiar da função, que exige conhecimentos especializados ou um regime próprio de trabalho - adicionais de função. Os adicionais destinam-se a melhor retribuir os exercentes de funções técnicas, científicas e didáticas, ou a recompensar os que se mantiveram por longo tempo no exercício do cargo.

Segundo o jurista, o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que não fazem parte da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados com condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor. O adicional relaciona-se com o tempo ou com a função; a gratificação relaciona-se com o serviço ou com o servidor. O adicional, em princípio, adere ao vencimento e, por isso, tem caráter permanente; a gratificação é autônoma e contingente. Ambos, porém, podem ser suprimidos para o futuro.

Meirelles define gratificações como vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade - gratificações de serviço -, ou concedidas como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica - gratificações especiais. As gratificações - de serviço ou pessoais - não são liberalidades puras da administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção.

De acordo com o doutrinador, as legislações federal, estadual e municipal apresentam-se com lamentável falta de técnica e sistematização na denominação das vantagens pecuniárias de seus servidores, confundindo e baralhando adicionais com gratificações, o que vem dificultando ao Executivo e ao Judiciário o reconhecimento dos direitos de seus beneficiários.

O jurista José dos Santos Carvalho Filho ressalta que, "a despeito da distinção, a verdade é que, na prática, não tem sido ela adotada nos infinitos diplomas que tratam da matéria". Segundo ele, de fato, seria razoável distinguir essas vantagens considerando que os adicionais se referem à especificidade da função, ao passo que as gratificações têm relação com a especificidade da situação fática de exercício da função.

Carvalho Filho considera que será, pois, irrelevante que a vantagem relativa ao tempo de serviço seja denominada de adicional de tempo de serviço ou de gratificação de tempo de serviço; de adicional de insalubridade ou de gratificação de insalubridade; de adicional ou de gratificação de nível universitário. O que vai importar é a verificação, na norma pertinente, do fato que gera o direito ao recebimento da vantagem. Se o fato gerador for inverídico, a vantagem nele fundada tem vício de legalidade.

 

Decisão

Em seu voto, o relator originário do processo, conselheiro Ivan Bonilha, lembrou que a Constituição Federal estendeu a garantia da irredutibilidade salarial aos servidores públicos em geral, nos termos do artigo 37, inciso XV. Porém, ele frisou que a irredutibilidade incide apenas sobre os vencimentos, e não sobre o total da remuneração recebida.

Além disso, Bonilha explicou que a irredutibilidade não é um conceito absoluto, pois já é amplamente aceita a possibilidade de redução indireta dos vencimentos dos servidores, como, por exemplo, quando o vencimento não acompanha simultaneamente o índice inflacionário, ou quando incidem impostos sobre o vencimento, como o imposto de renda.

O conselheiro ressaltou que, a respeito da suplementação de carga horária, cabe, inicialmente, entender de que tipo de vantagem pecuniária se trata. Ele citou Hely Lopes Meirelles, que considera que existem duas espécies de vantagens pecuniárias: os adicionais e as gratificações.

Bonilha afirmou que a doutrina distingue a gratificação do adicional em razão da finalidade e motivo da concessão da vantagem: a gratificação é retribuição de um serviço comum prestado em condições especiais; e o adicional é retribuição de uma função especial exercida em condições comuns.

Assim, o conselheiro concluiu que a gratificação é inerentemente uma vantagem de caráter transitório, enquanto o adicional é, por natureza, vantagem perene. Contudo, ele alertou que o que ocorre na prática se distancia da divisão estabelecida pela doutrina; e que, atualmente o que se percebe é uma confusão nas nomenclaturas das vantagens pecuniárias concedidas a servidores públicos.

Portanto, Bonilha concordou com o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho de que, como as nomenclaturas e diferenciações técnicas não são rigorosamente adotadas pela administração pública, deve prevalecer não o nome da vantagem, mas sim sua natureza e finalidade.

Assim, o conselheiro explicou que a vantagem mencionada pelo consulente, referente ao valor da suplementação de carga horária, trata-se, na verdade, da verba de gratificação denominada "dobra de jornada", "dobra de carga horária", "acréscimo de jornada" ou "horas suplementares", que consiste no pagamento de verba adicional aos professores que exercem funções fora do horário fixado para sua jornada. Portanto, ele considerou que esse tipo de gratificação tem natureza extraordinária; e não pode ser considerada permanente.

Bonilha destacou que a dobra de jornada de trabalho dos profissionais da Educação cuja situação se perpetua no tempo viola a regra do concurso público. Ele lembrou que o TCE-PR já se manifestara, em processo de Consulta com força normativa, no sentido de que é inconstitucional a dobra da jornada de modo definitivo - Acórdão 1049/18 - Tribunal Pleno; e citou decisões do TCE-SC nesse mesmo sentido.

Portanto, o conselheiro concluiu que, por não se tratar de verba de natureza genérica atribuída de forma indistinta a todos os professores, é possível a alteração da gratificação questionada - suplementação de carga horária de professores e pedagogos - por meio de lei municipal, sem que se caracterize a violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos.

Ele salientou que a jurisprudência possui firme entendimento de que as verbas de caráter transitório e precário não são incorporadas aos vencimentos e, assim, não são protegidas pelo princípio constitucional da irredutibilidade salarial.

O conselheiro Durval Amaral foi o relator designado, após o voto divergente por ele apresentado ter sido o vencedor no julgamento do processo. Amaral concordou com Bonilha em relação à verba questionada não estar abrangida pelo princípio da irredutibilidade dos vencimentos.

No entanto, ele divergiu ao entender que, mesmo diante da possibilidade de redução do valor pago a título de trabalho extraordinário, o valor necessariamente deverá corresponder a, no mínimo, 50% a mais do valor devido pela carga horária normal, conforme disposição do artigo 7°, inciso XVI, da Constituição Federal, o qual é aplicável aos servidores públicos por força do artigo 39, parágrafo 3°, do texto constitucional.

Como exemplo, Amaral afirmou que, se ente estatal tivesse fixado, a título de trabalho extraordinário, uma gratificação correspondente a 70% da hora normal devida ao servidor beneficiário, seria possível a redução desse percentual, desde que fosse respeitado o patamar mínimo de 50% fixado na Constituição.

Finalmente, o conselheiro ressaltou que o dispositivo constitucional previu como base para o cálculo do valor a ser pago a título de hora extra a remuneração devida pelo serviço normal, o que não possibilita a aplicação de outra remuneração que não a do servidor beneficiário da gratificação.

Os conselheiros aprovaram, por maioria absoluta, o voto parcialmente divergente do conselheiro Durval Amaral, após o conselheiro Maurício Requião ter apresentado um terceiro voto divergente no julgamento do processo, na Sessão Ordinária nº 38/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada presencialmente em 6 de novembro. O Acórdão nº 3747/24, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 22 de novembro, na edição nº 3.341 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O processo transitou em julgado em 3 de dezembro.

 

Serviço

Processo :

87647/21

Acórdão nº

3747/24 - Tribunal Pleno

Assunto:

Consulta

Entidade:

Município de Pinhalão

Relator:

Conselheiro José Durval Mattos do Amaral

 

Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR

 
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