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Jurisprudência
Município com instituição financeira oficial pode movimentar recursos em cooperativa
O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) confirmou o entendimento de que município pode depositar suas disponibilidades de caixa e realizar outras movimentações financeiras por meio de cooperativas de crédito. Portanto, considerando também a alteração legislativa introduzida pela Lei Complementar (LC) nº 196/22, o Tribunal confirmou essa possibilidade, que já fora prevista no Acórdão nº 2187/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR.
Mas o TCE-PR alterou seu posicionamento anterior, para fixar o entendimento de que, mesmo que haja instituição financeira oficial no município, isso é possível, em razão da excepcionalidade trazida à norma constitucional do artigo 164, parágrafo 3º, disposta na LC nº 161/18 e na LC nº 196/22, desde que a cooperativa atenda aos requisitos previstos nas normas pertinentes, garantindo a segurança dos recursos públicos lá depositados.
No entanto, de acordo com as disposições do artigo 2º da Resolução nº 4.659/18 do Conselho Monetário Nacional (CMN), a captação de recursos dos municípios é admitida exclusivamente por cooperativas de crédito classificadas nas categorias plena ou clássica.
Se houver duas ou mais cooperativas abrangidas pela região do município e, ainda, instituições financeiras privadas, é necessária a realização de processo licitatório, para que as instituições financeiras não oficiais concorram em igualdade de condições.
Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Município de Jandaia do Sul, por meio da qual questionou se, a partir da alteração legislativa introduzida pela LC nº 196/22, o município poderia depositar suas disponibilidades de caixa e realizar outras movimentações financeiras por meio de cooperativas de crédito, ainda que haja instituição financeira oficial em seu território.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que o município pode depositar suas disponibilidades de caixa e realizar outras movimentações financeiras por meio de cooperativas de crédito, nos termos permitidos pelas leis complementares nº 161/18 e nº 196/22.
A CGM ressaltou que, nos termos do Acórdão nº 2187/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR, se houver pluralidade de cooperativas abrangidas pela região do município e, ainda, instituições financeiras privadas, há necessidade de se adotar o processo licitatório, concorrendo as instituições financeiras não oficiais em igualdade de condições.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica.
Legislação e jurisprudência
O parágrafo 3º do artigo nº 164 da Constituição Federal (CF/88) estabelece que as disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; as dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e dos órgãos ou entidades do poder público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.
O parágrafo 2º do artigo 174 da CF/88 determina que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
O artigo 192 da CF/88 dispõe que o Sistema Financeiro Nacional (SFN), estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
A Lei Complementar nº 130/09 dispõe sobre o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo e fixa, em seu artigo 12, inciso IV, que o CMN poderá dispor sobre os fundos garantidores e a vinculação de cooperativas de crédito a tais fundos. A Lei Complementar nº 161/18 alterou o artigo 2º da Lei Complementar nº 130/09.
A LC nº 161/18 alterou o artigo 2º da LC nº 130/09 para fixar que as cooperativas de crédito se destinam, precipuamente, a prover, por meio da mutualidade, a prestação de serviços financeiros a seus associados, sendo-lhes assegurado o acesso aos instrumentos do mercado financeiro.
O parágrafo 1º desse artigo expressa que a captação de recursos e a concessão de créditos e garantias devem ser restritas aos associados, ressalvados a captação de recursos dos municípios, de seus órgãos ou entidades e das empresas por eles controladas, as operações realizadas com outras instituições financeiras e os recursos obtidos de pessoas jurídicas, em caráter eventual, a taxas favorecidas ou isentos de remuneração.
A LC nº 196/22 alterou novamente o artigo 2º da LC nº 130/09, para que fosse estabelecida a disposição do inciso I do seu parágrafo 1º, de que a captação de recursos e a concessão de créditos e de garantias devem ser restritas aos associados, ressalvada a captação, por cooperativa singular de crédito, de recursos de municípios, de seus órgãos ou entidades e das empresas por eles controladas.
A Resolução nº 4.659/18 do CMN dispõe sobre os requisitos prudenciais aplicáveis à captação, por cooperativas de crédito, de recursos de municípios, dos seus órgãos ou entidades e das empresas por eles controladas; e sobre o correspondente cálculo da garantia prestada pelos fundos garantidores.
O artigo 2º da Resolução nº 4.659/18 do CMN estabelece que é admitida a captação de recursos dos municípios exclusivamente por cooperativas de crédito classificadas nas categorias plena ou clássica.
A Lei nº 4.595/64 trata da política e das instituições monetárias, bancárias e creditícias; e cria o CMN, além de outras disposições. Em seu artigo 19, inciso II, dispõe que o Banco do Brasil S.A. receberá em depósito precipuamente, sob a supervisão do CMN, com exclusividade, as disponibilidades de quaisquer entidades federais, compreendendo as repartições de todos os ministérios civis e militares, instituições de previdência e outras autarquias, comissões, departamentos, entidades em regime especial de administração e quaisquer pessoas físicas ou jurídicas responsáveis por adiantamentos, ressalvadas as exceções previstas em lei ou casos.
O Acórdão nº 1196/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 417922/18) fixa que município pode movimentar recursos em cooperativas de crédito, nos moldes da Lei Complementar nº 161/18, desde que seja respeitado o regramento do Conselho Monetário Nacional (CMN) em relação aos requisitos prudenciais para a operação; em especial, sua Resolução nº 4.659/18.
Em resposta à Consulta nº 881648/16, de relatoria do conselheiro Ivens Linhares, o TCE-PR consolidou, por meio do Acórdão nº 1811/18 - Tribunal Pleno, o entendimento de que disponibilidades de caixa são os valores de titularidade do ente público em dinheiro, cheque, carta de crédito, aplicação financeira, poupança e outros ativos; e somente podem ser depositadas em bancos oficiais.
A resposta à consulta acrescentou que não são disponibilidades de caixa os valores relativos a salário ou remuneração de servidor, bem como aqueles referentes ao pagamento de fornecedores, cujas faturas já estejam empenhadas. Esses valores não se sujeitam à obrigatoriedade de depósito em banco oficial.
A posição do Tribunal, que tem força de lei, ainda estabeleceu que a contratação de qualquer instituição financeira deve ser precedida de licitação, pois inclusive os bancos oficiais recebem tratamento de empresa privada, já que exercem atividade econômica. Portanto, é vedada a dispensa de licitação para a contratação de bancos. A modalidade licitatória pode ser escolhida discricionariamente pelo gestor, de acordo com os critérios que melhor atendam o interesse público.
O Acórdão nº 2053/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 184677/18) expressa que a previsão de captação de recursos municipais por cooperativas de crédito não configura exceção à preferência dada aos bancos oficiais pelo artigo 164, parágrafo 3º, da Constituição Federal para a movimentação de disponibilidades, mas equipara as referidas cooperativas às instituições financeiras não oficiais, para efeito de permitir sua participação nesse mercado, dentro das mesmas condições de atuação.
O Acórdão nº 2187/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 678297/18) dispõe que, se existirem instituições financeiras oficiais a serem priorizadas, segue-se o entendimento consolidado em jurisprudência do TCE-PR; e, da mesma forma, se houver pluralidade de cooperativas abrangidas pela região do município e, ainda, instituições financeiras privadas, há necessidade de se licitar, concorrendo as instituições financeiras não oficiais em igualdade de condições.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Augustinho Zucchi, entendeu ser necessária a análise sistêmica, com base na Constituição Federal, na legislação existente - LC nº 130/2009, LC nº 161/2018 e LC nº 196/22 - e em decisões correlatas do TCE-PR.
Zucchi afirmou que o artigo 192 da Constituição Federal assegurou às cooperativas de crédito o posicionamento dentro do sistema financeiro nacional, nos termos do regulamentado na legislação complementar. Ele frisou que, em atendimento ao comando constitucional, foram editadas as leis complementares números 130/2009, 161/2018 e 196/22.
O conselheiro lembrou que o Tribunal já decidira em Consultas anteriores sobre a possibilidade de captação de recursos financeiros municipais pelas cooperativas de crédito. Mas ele destacou que a dúvida do consulente reside na possibilidade de depósito de suas disponibilidades financeiras na cooperativa no caso de também existir instituição financeira oficial no município, questão que não era aceita pelo TCE-PR.
O relator ressaltou que a LC nº 161/2018 e a LC nº 196/22 garantiram que, como instituição financeira, é possível que cooperativa de crédito gerencie as disponibilidades de caixa de município, sendo hipótese de ressalva do disposto no artigo 164, parágrafo 3º, da Constituição Federal,
Zucchi relatou que o objetivo das cooperativas de crédito é fomentar, sem fins lucrativos, a economia local de forma sustentável, tornando a possibilidade de participação ainda mais coerente com a própria Constituição Federal. Ele lembrou que o artigo 192 da CF/88 aponta a relevância das cooperativas no desenvolvimento equilibrado do país e no atendimento dos interesses da coletividade.
Assim, o conselheiro entendeu que, se a própria Constituição estabelece o papel das cooperativas, a interpretação que deve ser extraída, diante, principalmente, das disposições das leis complementares referidas, não pode ser restritiva, conforme entendimento anterior do TCE-PR. Portanto, ele concluiu que as cooperativas devem ter a oportunidade de custodiar as disponibilidades de caixa da mesma forma que as instituições financeiras oficiais.
O relator salientou que, se existir mais de uma instituição financeira no município, seja ela oficial ou cooperativa, deve haver a oportunidade de disputa, por intermédio de procedimento licitatório, da custódia desses valores. Ele citou, como exemplo, que os licitantes podem ofertar isenção de tarifas e pagamento antecipado pela custódia desses valores, dentre outras possibilidades.
Finalmente, Zucchi considerou que, caso seja negada a possibilidade de que as cooperativas possam concorrer com as instituições financeiras oficiais, a Caixa Econômica Federal ou o Banco do Brasil sempre custodiarão esses valores, o que não parece razoável frente às disposições da LC nº 161/18 e da LC nº 196/22.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por voto de desempate do presidente, após o conselheiro Ivan Bonilha ter apresentado voto divergente, no julgamento do processo, pela manutenção do entendimento anterior do TCE-PR.
A decisão, tomada na Sessão de Plenário Virtual nº 23/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 5 de dezembro, está expressa no Acórdão nº 4283/24, disponibilizado em 16 de dezembro, na edição nº 3.257 do Diário Eletrônico do TCE-PR.
Serviço
Processo nº: |
827300/23 |
Acórdão nº |
4283/24 - Tribunal Pleno |
Assunto: |
Consulta |
Entidade: |
Município de Jandaia do Sul |
Relator: |
Conselheiro Augustinho Zucchi |
Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR